Neste relato, deixarei de fora os comentários sobre o período de treinos, pois, caso assim não o faça, acabarei por escrever um livro.
Parti para meu primeiro Ironman com todas as incertezas de um calouro. Será que estou treinado? Será que arrumei tudo direitinho? O fato é que já estava em Jurerê Internacional e não havia mais nada a fazer em relação aos treinos, somente quanto aos últimos detalhes de logística para a prova.
Falando nisso, a logística para a prova já nos deixa em apreensão total. Tanto que, no Ironman 70.3 de Miami (meu primeiro longa, em outubro de 2010), acabei por ficar bem mais ansioso. E credito isto à logística. Fiquei tão preocupado com a logística para o Ironman Brasil que não deu sequer tempo de sentir aquela básica gastrite nervosa nos dias que antecedem a prova.
Com a ajuda de amigos mais experientes, tudo foi dando certo. Tudo preparado! Restava esperar pelo grande dia. A noite anterior foi mais tranquila do que eu esperava. Estava mais calmo do que deveria. Na madrugada do dia da prova, ações simples como acordar, pegar as coisas e rumar para o local da largada, já estavam bastante confusas na minha mente. Já dava para notar a adrenalina correndo nas veias.
De roupa de borracha no corpo, fui para o local do início da prova. O trajeto rumo à largada é algo difícil de ser lembrado. Apenas “flashes” de alguns momentos. Uma espécie de êxtase tomou conta de mim. Encontrei alguns amigos. Muitos abraços e desejos de boa sorte.
Soa a sirene! É iniciada a tão sonhada jornada de um dia inteiro, para a qual dediquei longos cinco meses.
Natação! AAhhh... esta se configurava como a pedra no meu sapato. Não nado bem como gostaria, e fui com a intenção de sair da água feliz. Sabendo que o pior haveria de ter passado. Concentrei-me! Nadei na esteira de alguns, sentindo-me muito bem. Já era um ótimo sinal! Na primeira parte, senti um pouco de dificuldade em me orientar, pois o mar estava bem mexido, com grandes ondulações que impossibilitavam, em alguns momentos, a visualização das boias.
Terminada a primeira parte, quando estava passando pela areia, Leandro Macedo (meu treinador) gritou, dizendo:
- Elano, mantenha a direita! Mantenha a direita!
Atento àquela orientação, e voltando-me para o mar, olhei para o horizonte, no rumo da boia, e vi que todos estavam nadando num trajeto que parecia um arco. Ou seja, a corrente estava puxando para a esquerda, forçando todos a traçar um percurso maior. Mesmo sem esteira, resolvi manter uma linha reta. Mirei a boia, mantendo uma orientação bem melhor do que na primeira parte do percurso, e fui. Deu certo. Após o retorno da boia, voltei para esteira de alguns competidores.
O tempo foi passando e, quando percebi, a margem aproximava-se cada vez mais. Estava acabando aquilo que mais me preocupava. Mas não sem antes vir um grande susto. De repente, vi-me muito próximo às pedras e já na arrebentação. Uma grande massa de água com espuma empurrou-me para o fundo e para frente. Esperei o encontro com as pedras. Sorte minha que este não aconteceu. Subi. Difícil chegar à superfície. Fiquei atordoado. Já estava no meio das pedras com mais quatro atletas. Não dava para voltar. Escalamos as pedras para voltar à areia da praia. Era a única maneira de sair dali. Rendeu-me uns cortes no punho e na palma da mão.
Mas, ao pisar na areia e olhar para o relógio, todo o sufoco da saída do mar transformou-se em alegria. Tinha nadado 11 minutos a menos do que planejara. Era tudo que eu precisava para ir ao ciclismo com mais ânimo ainda.
Transição realizada com sucesso, tendo perdido apenas algum tempo para pôr os manguitos nos braços molhados, rumei para a área onde estavam as bicicletas.
Ciclismo! Tive a sorte de minha bike ficar posicionada muito próxima à saída. Corri rapidamente até lá e, na área de monte, ouvi os gritos de minha mulher e filhos. Não os vi. Mas apenas ouvi-los já foi extremante revigorante. Tudo estava correndo muito bem!
Subi na bike e parti para a segunda parte da jornada. A parte mais demorada. Estava sentindo-me muito bem, e o medo de forçar além do devido era companheiro constante. A média estava acima do que eu havia planejado, e isto assustava. Afinal, sempre ouvi falar que pagamos na corrida o preço do que praticamos no ciclismo. Mas fui mesclando o medo com um pouco de ousadia.
O tempo foi passando, e os quilômetros também. E agarrei-me na preocupação com a alimentação e suplementação como forma de ocupar a mente, afastando-me de pensamentos ruins. Notei que pouquíssimos atletas me passaram, e que passei muitos, mas muitos mesmo. Isto, de certa forma, também trouxe receio, pois eu não sabia se aquilo era fruto de um bom treinamento ou se eu estava realmente forçando além do necessário. Mas continuei na mesma toada.
Na Beira-Mar de Florianópolis, o vento deu as boas-vindas, e vi que muitos sofriam com a presença dele. O fato de treinar no Ceará, muitas vezes com muuuuito vento, acabou por favorecer aos cearenses.
Chegando para finalizar a primeira voltar do ciclismo, ouvi novamente os gritos da minha família, e consegui ver, de relance, meu filho Leonardo correndo no canteiro central da avenida. Mais um incentivo. Mais ânimo extra. Tudo corria bem até ali. Eu estava muito feliz.
Na segunda volta do ciclismo, principalmente na Beira-Mar de Florianópolis, pequena dor no pescoço começou a incomodar. Sair do clipe ali era o mesmo que apertar o freio. Mas tive que assim fazer algumas vezes para dar um descanso ao pescoço. Ainda assim, via que os atletas perto de mim sofriam bem mais que eu, e isto me animava, pois concluía que tinha treinado bem, e que o resultado da minha dedicação se mostrava ali, naquele momento.
Na volta, as pernas deram uma fraquejada nas duas grandes subidas da rodovia SC-401, mas não liguei para isto, pois a euforia em estar voltando, para finalizar mais uma parte da jornada, era bem maior.
Chegando em Jururê para finalizar a bike, eu estava realmente eufórico. Pedalar na Avenida dos Búzios olhando para a estrutura montada no Clube, prestes a entregar a bike e sair para a maratona, foi algo espetacular. A galera na lateral da pista, o clima de festa, tudo te eleva. Fenomenal! Vi novamente minha família aos berros. Olhei para o relógio e a média na bike novamente me surpreendeu. Pedalei bem melhor do que esperava! Tudo estava muito bem! E aquele medinho continuava latente.... ali....fazendo-se perceber de vez em quando.
Transição feita, com tranquilidade e rapidez. Comi um pedaço de melancia e de bolo, fiz xixi, e pus-me a correr.
Corrida! Eu estava me sentindo estranhamente bem! Inteiro! Olhei para o relógio e vi o pace. Opa! Muito forte. Mas eu achava que estava devagar. Segurei a onda e fui para o pace pré-programado.
Na saída, logo na primeira quadra, vi minha família mais de perto. Gritaram, deram força, correram comigo por uns 50 metros. E eu continuei. Estava bem demais para ser verdade. Não sentia nada de errado. Tudo certo! Foi assim até Canasvieiras. Vi que me aproximava do grande amigo e companheiro de treinos Ricardo Veras. Chegando nele, já após o retorno da volta de 21km, ele fala que não está bem e que vai apenas concluir. Eu, de pronto, o demovi da ideia, afinal, ele estava no seu terceiro Ironman.
Naquele momento, ele imediatamente “renasceu”, e voltou a correr bem. Porém, quase que no mesmo instante, veio-me imensa dor lateral. Gases. Preocupei-me demais com a hidratação durante o percurso de corrida, e acho que acabei bebendo demais, vindo a engolir muito ar. A dor impossibilitava que eu enchesse os pulmões, forçando uma respiração curta. Estava no quilômetro 11 da corrida. Ainda faltava muito. Eu tinha que buscar a recuperação.
Falei para o Ricardo, o qual pediu que eu andasse um pouco para a dor passar. Foi o que fiz. Coincidiu com as subidas de Canasvieiras (já voltando). Mas a dor não passava. Eu trotava, e andava. Buscava trotar por mais tempo, mas a dor não dava trégua. Segui. Ricardo partiu, voltando ao seu bom ritmo.
Quando a dor lateral provocada pelos gases diminuiu, vieram dores musculares no abdômen, não tão agudas, mas que também incomodavam. Corri assim os nove quilômetros que faltavam para fechar a volta de 21k, e ainda a primeira volta de 10km. No final desta primeira volta de 10km, tomei um copo de coca-cola dada em um posto de hidratação, e tive um pico de ânimo. Passei para fechar esta volta bem mais disposto. Olhei para o relógio e vi que faltavam 1 hora e 10 minutos para fechar as 11 horas de prova. Pensei comigo mesmo que era possível fazer esses dez quilômetros finais em menos que 1h10min. Terminar meu primeiro Ironman em menos de 11horas passou a ser o objetivo a partir dali, e o motivo que arranjei, psicologicamente, para me por novamente na prova de uma forma mais intensa. Fechar meu primeiro Ironman em menos de 11horas? Não havia imaginado isto nem mesmo nos meus melhores sonhos.
Baixei a cabeça e comecei a correr olhando para o chão. Neste momento, minha mulher e filhos pulavam ao meu lado, falando que faltava pouco e que estavam esperando para entrarmos juntos no pórtico final.
Olhando para o chão, aumentei o ritmo e não andei mais, com exceção de pequenas caminhadas nos postos de hidratação. Somente o tempo suficiente para mais meio copo de coca-cola. Aproximava-me de outros atletas vendo somente seus pés e pernas. E passava. E corria. E continuava. Como eu corria ali? Somente com a cabeça! As pernas estavam bem, não sentiram tanto. Mas as dores abdominais insistiam em puxar, alfinetar, contrair, etc. Mas, quer saber? Eu, hoje, quase não lembro delas naquela última volta. Minha cabeça isolou a dor. E sem remédio algum. Foi só a vontade mesmo. E eu corri.
Cheguei na parte duplicada da Avenida dos Búzios, e as penas em ritmo cadenciado, constante, não diminuíam nem fraquejavam. O pórtico que separava atletas que finalizariam a prova dos demais que ainda dariam outras voltas foi um empurrão nas costas, e o ritmo aumentou ainda mais.
As lombadas (quebra-molas) da avenida passavam feito raios. Desconhecidos gritavam meu nome. Eu apenas ouvia. Olhar fixo no fim da rua. Aquela leve curva para a direita tirava a visão do pórtico da chegada. Eu procurava a família. Nada deles ainda. Escurecia. Eu já não via o tempo no relógio. A incerteza de chegar abaixo das 11horas imperava. E eu corria! Corria!
As pessoas afunilaram a rua, formando um corredor humano de ânimo, gritos, emoção. A alegria que tomou conta de mim fez sumir qualquer dor, lembrança ruim, etc. Era só alegria. Só!
Vi minha mulher, Susana. Sorriso estampado (lindo, diga-se de passagem!). Meus filhos Leo e Sara estavam logo ao lado. Mãozinhas ansiosas pelas minhas. Mostrei-me preocupado com o tempo, ainda fruto da motivação que havia arranjado para o final da prova. Tratei de esquecer imediatamente e agarrei a mão do Leo, ao meu lado esquerdo, e da Sara, ao lado direito. Minha mulher Susana corria logo atrás de nós. O tapete azul já coloria o cenário iluminado, e a sensação de torpor me cegava. O relógio marcava 10horas e alguma coisa, sei lá.... não importava! O pórtico chegou!
Susana me alcançou e abraçou-me por trás. As forças foram embora e as pernas tremiam. Abracei a todos, num misto de vontade de tê-los próximos a mim com necessidade de apoiar-me em algo. E chorei! Chorei desavergonhadamente! Minha mulher me parabenizava e meus filhos me abraçavam. Eu só precisava daquilo. Mais nada!
Foram 10horas e 54minutos intensos e emocionantes. E tudo se resumia àquele instante!
Após sair da estrutura da chegada, ouvi da minha filha a seguinte frase:
- Pai, eu nunca te vi chorar! Ainda bem que é de felicidade!
Quase choro de novo! Ehehehe....
Valeu a pena! Cada minuto dedicado nestes 5 meses, foi muito bem aplicado.
Obrigado, Leandro Macedo! Obrigado, amigos da Equipe Top Sports Fortaleza!
Resumo:
Natação surpreendente
Ciclismo espetacular
Corrida boa (poderia ter sido melhor).
Massa! Parabéns pela estréia em blogs, de cara com estréia no Ironman.
ResponderExcluirMuito massa. Só não entendi uma coisa (aviso que corrida pra mim são 5Km na esteira e não mais...): coca-cola? Eu pensei que nesse alto nível só rolava isotônico mega-blaster importado da Alemanha feito com água dos alpes suíços...
ResponderExcluirCaro Tag2000,
ResponderExcluirPois é, coca-cola sim! A suplementação básica numa prova é o gel de carboidratos. No entanto, numa prova longa como o Ironman, há necessidade de repor sal, e ainda comer mesmo alguma coisa (sanduíche de queijo, por exemplo), para quebrar a sequência de géis (enjoa).
A coca, por sua vez, tem muuuito carboidrato e sal. Ao tomar coca-cola, ela te dá um pico de glicemia e ânimo, mas tem o seu lado ruim. O efeito é rápido e passageiro. E o pior: segundo especialista, ela corta o efeito do gel, o qual não deve ser ingerido após você ter optado pela coca-cola. Assim, temos que a deixar para o fim da prova. Deu pra entender? Isto é o que me falaram. Não sou nutricionista.